31 janeiro 2008

Conversa real

Saio de casa para tomar ar. Munido de uma música que me distrai, desço a rua até à praia. Depois de um caminho um pouco longo a andar, decido descalçar-me e caminhar pela areia.
Dia de semana, pouca gente em lazer. Esqueço o mundo e aproximo-me mais da maré. Passeio com as minhas tristezas e alegrias. O que fiz, o que quero fazer, sem planos longos, só vontades.
Olhos para trás com orgulho do que consegui. Sem lamechices baratas, também penso em quem perdi. O que ainda tinha por dizer, o que ainda tinha para fazer…
De bom, lembro as recordações que me deixaram.
Vejo, ao fundo, um barco na linha do horizonte. É tão pequeno que não lhe conheço a forma. Sei que vai seguindo o seu rumo e não mais o voltarei a ver, tal como quem me levaram.
Decido tomar um café numa esplanada de um daqueles bares assentes no areal e que todas as cidades à beira mar plantadas têm. Estou só e triste mas quero este momento só para as minhas recordações.
Peço um café que rapidamente tomei.
Enquanto me perco no horizonte, aproxima-se de mim uma criança. Chega-se a mim, olha-me de frente e fica ali sem nada dizer.
Acho estranho. Ainda olhei em volta mas não vi ninguém. O que faz este menino tão pequeno sozinho aqui? – pensei.
- Olá – disse-me – tás triste? Porque tás a chorar?
Ainda tentei uma daquelas mentiras de ocasião: “É por causa do sol”
- Não é nada! Parece que tás triste…
- E tu, que fazes aqui sozinho?
- Vim passear. Moro ali naquele prédio e a minha avó deixou-me vir para a praia, mas não posso sair daqui. Mas queres-me contar o que tens?
O que pode uma criança entender sobre a perda de alguém tão chegado? Como se fala destas coisas com uma criança?
- Como te chamas? Que idade tens? – perguntei eu.
- Sou o David e tenho 7 anos. Estou na segunda classe. Hoje já fiz os TPC e posso brincar mais cedo. Sempre que me porto bem, posso brincar mais e o meu pai fica contente comigo.
Perante tal desenvoltura no discurso, achei o miúdo engraçado. Cara de traquina mas bastante esperto, pareceu-me.
- Então tens de te portar bem sempre!!!
- Eu sei. Agora tenho isso mais em conta. Desde que o meu pai foi morar para outro sítio e eu nunca mais o vi, tento portar-me bem, para que ele fique contente.
Com esta, não contava eu. Que lhe digo? Pergunto-lhe para onde foi? Se está a trabalhar longe?
Por perceber que eu não iria perguntar, continuou:
- Foi há um ano. Eu estava à espera dele à saída da escola. Era sempre ele que me vinha buscar e naquele dia já estava a demorar. Acabou por vir a minha avó. Perguntei-lhe pelo meu pai e ela começou a chorar. Os adultos pensam que nós não percebemos. Mas sabes-me dizer por que razão vocês pensam que nós não percebemos? Quando eu era pequeno (que delícia de expressão numa criança) não percebia muitas coisas mas depois cresci e já entendo muito.
Com tudo isto fiquei sem palavras. Triste pelo David, que perda irreparável. Confuso com tal grandeza de pensamento do miúdo.
- O meu pai morreu num acidente quando me vinha buscar – concluiu.
Não sabia mesmo o que dizer.
- Agora sei que ele está lá no céu a olhar por mim e quer que eu me porte bem. Sabes, desde que ele morreu brinco mais tempo. Como faço tudo bem, posso vir para aqui brincar.
Não sei de onde veio este anjo, mas hoje eu estava a precisar de um amigo crescido como o David para conversar.
- E tu, porque estavas a chorar?
- Também tive um amigo que foi morar para longe. E como sei que ele já não volta, estou triste. Gostava de ter estado com ele para lhe dizer muita coisa.
O David deu-me a melhor lição que eu podia ouvir hoje.
- Não fiques triste. No dia em que o meu pai foi embora eu tinha tirado um Excelente na ficha de matemática e queria ter-lhe dito isso. Como ele não apareceu também fiquei triste. Agora tenho de tirar muitos Excelentes para, quando eu for ter com ele, levar todos comigo. Mas eu desconfio que ele sabe que eu tenho boas notas: “Mesmo quando morrem, as pessoas continuam vivas…”

Obrigado David!

27 janeiro 2008

Noite escura… dia triste…


Sem recursos de linguagem,
Sem jogos de palavras, hoje estou sem vontade.
Começo a escrever sem saber onde vou parar

Estou aqui para registar uma homenagem.
Ontem a noite foi cruel.

Ontem a noite foi escura demais.
O céu ficou pesado, uma estrela apagou-se…
Sei onde ela está,

Sei que será mais uma estrela a guiar-me o caminho…

A noite de ontem levou-me um amigo…

à memória do S…

24 janeiro 2008

Oxímoro…

Queria estar contigo, sentir o teu calor que gela a alma…
És intensa, sei disso porque estou próximo da maior distância de ti .
Vives com ardor… e frieza quando separas o olhar expressivo que tens da atitude que tens de tomar.
Queria poder sair contigo, poder estar livremente numa prisão que é este mundo de liberdades limitadas, contradições de quem vê a mesma coisa. Só assim poderia beijar-te sem medo de me prender e de te comprometer ao pensamento de, a partir de então, me sentir ligado a ti mas sem elos entre nós.
Ah, pudesse eu apertar-te com a força de um leve abraço.
Prosa confusa da esclarecida mente que não tenho.
Sei o que pretendo… finalizar o que não comecei ou começar o que não terá fim. Dizer-te que sou aquela pessoa que te ama, mas talvez diga a palavra ao contrário, se calhar perceberás o que quero dizer quando a vires ao espelho.
Da última vez que me viste no espelho, acenei-te, mas tu não estavas do outro lado.
Dislexia mental, estou errado naquilo que escrevo, mas certo no que vejo, cego estou.
Podia dizer-te simplesmente que te odeio com a palavra “amor”. Seria contraditório pensar assim, mas não o seria se eu agisse de tal forma… Sinto-o da forma mais directa que uma estrada recta feita de curvas e contra-curvas de que é feito o nosso encontro.
Estou certo do que quero dizer sem que tenha de proferir uma palavra.
Escrevo frases no meu caderno que se apagam ao riscar do lápis… digo-as em voz alta e nem eu as consigo ouvir, gravo-as no papel com a tinta mais escura que a neve, azar da minha sorte… o papel é negro luminoso.
Conseguirás ler a minha mente? Ou serei hoje um livro fechado com páginas não impressas, cheio de histórias que não entendes?
Minha maior contradição: nunca me olharei nos olhos, para me poder confrontar…
Dúvidas no ar, certezas que não respiro…

18 janeiro 2008

Fragmentos

Eu e a minha vontade… apaixonados por ti.
Dia de Outono, a caminhar na língua da maré, passei por ti. Sorriste-me.
Quis olhar-te de novo mas continuei em frente, tremendo de calor.
Queria que a minha vontade controlasse os meus olhos, mas a razão dominou as ordens. Há partes do meu corpo que só vejo com a alma. Outras, vejo-as com os meus olhos. Como serão os meus olhos?
A minha vontade, por exemplo, virou-se, largou-me e seguiu-te.
Largos passos mais à frente, sentei-me na areia fria.
Tive ciúmes da minha vontade. Mandei que os meus olhos se lavassem de raiva.
Por esta altura, a minha vontade já te beijou. Já sentiu os teus lábios.
A minha vontade já está, por agora, mais feliz que o meu corpo… sentado nesta areia fria.
Ainda pensei… trocar o meu corpo com a vontade e roubar-lhe o beijo que lhe deste.
Mas a vontade é mais forte que o corpo. Então proverei o meu corpo de vontade, levantar-me-ei deste frio para te buscar. Seguirei as pegadas que desenhaste.
E, quando te alcançar,
Perguntarei à tua vontade
Se, tua boca, posso beijar…

16 janeiro 2008

Vou-me embora…

Saio de tua casa.
Daquela onde já pensei ter entrado. Saio pela porta que dá para o teu jardim. Saio pelo lugar mais belo onde já estive (sonho meu). Espaço onde só vai quem tu permites. Não sei se alguma vez me permitiste permanecer.
Mas eu quis lá estar.
Quis passear pela calma que o teu olhar me sugere.
Quis ficar tardes inteiras por entre tuas flores.
Saio com leveza para que não percebas que saí do teu jardim.
Se algum dia tomaste atenção à minha presença em teu espaço (sei que sim, não por presunção mas porque o os teus olhos já mo disseram), saio sem querer pisar o mais pequeno canteiro.
Ao sair, deixo-te um cartão na mesa que está junto à janela. Na mesa onde já toquei a tua mão… onde estivemos juntos e os meus olhos beijaram os teus…
Queria ter dito muito mais do que lá está escrito mas, tu bem sabes, que por mais bilhetes eu te deixasse, nenhum deles teria a descrição daquilo que eu queria que a minha presença significasse em teu jardim.
No teu jardim… leio… o teu olhar…
No teu jardim… ouço… a melodia da tua voz…
No teu jardim… sonho… a quimera de te beijar…
No teu jardim… voo… nas asas de um desejo…
Mas agora saio… sem me despedir.
Queria um último beijo mas sei que não o posso ter.
Porque não sabes que saí…
Porque nunca tive um primeiro.
Um dia que me queiras ver, chama-me… serei o teu “Fiel Jardineiro”…
Mas agora… vou-me embora.

11 janeiro 2008

Vejo-te na natureza

Nasceste do que o mar fez na terra, erosão de seres maiores…
És uma entre muitas e estás no meio da multidão. Contudo, consigo identificar-te claramente.
Posso ter passado por ti imensas vezes sem te dar atenção. Posso até já ter sentido a tua forma.
Mas sempre que quis tocar-te, fugiste-me por entre os dedos.
Consegues sempre desviar-te com mestria.
Tens um aroma suave mas que consigo sentir quando estás perto.
No Verão o teu cheiro aquece, no Inverno é como o perfume da praia, pura maresia.
Quando estou a aproximar-me, só quero afastar-me de ti para poder sonhar com o meu desejo. E quando estamos distantes, recordo a lembrança de te querer.
Os meus dedos não conseguem segurar-te.
Frágil podes parecer mas de força és feita tu.
Medo não tenho mas o que faltará para te tocar…

Grão de areia…

06 janeiro 2008

Voltei a apaixonar-me…

Voltaste a cruzar o teu olhar com o meu, então apaixonei-me.
Voltaste a ficar na minha retina, então ceguei.
Imaginei que o nosso reencontro seria intenso, mas não pensei voltar a sentir que já senti outrora.
Sabes como me falar, sabes como chegar a mim. Eu não tenho essa sorte, não consigo alcançar-te. Não sei se o queres. Não insistirei, digo eu.
Se calhar nestas linhas que escrevo, pensarás que já é uma insistência.
Será assim?
Será que estou só a escrever aquilo que não tenho coragem para te dizer?
Voltei à adolescência.
Não sei escrever, (se é que alguma vez soube) mesmo quando risco carvão sob o papel e até consigo formar as letras do teu nome.
Não sei como olhar para ti, quando me falas.
Não sei como reagir a um elogio que me fazes.
Isto acontece aos adolescentes. Má sorte a minha porque ainda o sou…
Gosto da forma como fazes de conta que duvidas de quem será a destinatária destas linhas. Dá-te um ar, um tanto ou quanto, de indiferença mas sei que o sabes.
Reconhecer-te-ás nas minhas palavras, com certeza, pois o teu nome está naquilo que lês.
Por vezes não tens paciência para estas coisas. Por vezes não estás para perder tempo com coisas de um jovem em busca de algo que nem ele saberá o que é.
Pois é, isto retrata bem aquilo que sou e o que escrevo aqui.
Sou alguém que escreve sobre a procura de um estado (de alma, de espírito, etc.) que está personificado na figura de uma mulher.
Mas…
Aquilo que procuro, não tem corpo… és tu.
Aquilo que procuro, não tem olhar... é o que vejo e não alcanço.
Aquilo que procuro, não tem forma de lá chegar… teus lábios.
Aquilo que procuro, será algo ou alguém? Não sei.
Tem o olhar expressivo da tua íris. É suave como a tua pele que nunca toquei.
O que procuro está personificado no corpo de uma mulher.
Essa mulher, és tu.