Conversa real
Saio de casa para tomar ar. Munido de uma música que me distrai, desço a rua até à praia. Depois de um caminho um pouco longo a andar, decido descalçar-me e caminhar pela areia.
Dia de semana, pouca gente em lazer. Esqueço o mundo e aproximo-me mais da maré. Passeio com as minhas tristezas e alegrias. O que fiz, o que quero fazer, sem planos longos, só vontades.
Olhos para trás com orgulho do que consegui. Sem lamechices baratas, também penso em quem perdi. O que ainda tinha por dizer, o que ainda tinha para fazer…
De bom, lembro as recordações que me deixaram.
Vejo, ao fundo, um barco na linha do horizonte. É tão pequeno que não lhe conheço a forma. Sei que vai seguindo o seu rumo e não mais o voltarei a ver, tal como quem me levaram.
Decido tomar um café numa esplanada de um daqueles bares assentes no areal e que todas as cidades à beira mar plantadas têm. Estou só e triste mas quero este momento só para as minhas recordações.
Peço um café que rapidamente tomei.
Enquanto me perco no horizonte, aproxima-se de mim uma criança. Chega-se a mim, olha-me de frente e fica ali sem nada dizer.
Acho estranho. Ainda olhei em volta mas não vi ninguém. O que faz este menino tão pequeno sozinho aqui? – pensei.
- Olá – disse-me – tás triste? Porque tás a chorar?
Ainda tentei uma daquelas mentiras de ocasião: “É por causa do sol”
- Não é nada! Parece que tás triste…
- E tu, que fazes aqui sozinho?
- Vim passear. Moro ali naquele prédio e a minha avó deixou-me vir para a praia, mas não posso sair daqui. Mas queres-me contar o que tens?
O que pode uma criança entender sobre a perda de alguém tão chegado? Como se fala destas coisas com uma criança?
- Como te chamas? Que idade tens? – perguntei eu.
- Sou o David e tenho 7 anos. Estou na segunda classe. Hoje já fiz os TPC e posso brincar mais cedo. Sempre que me porto bem, posso brincar mais e o meu pai fica contente comigo.
Perante tal desenvoltura no discurso, achei o miúdo engraçado. Cara de traquina mas bastante esperto, pareceu-me.
- Então tens de te portar bem sempre!!!
- Eu sei. Agora tenho isso mais em conta. Desde que o meu pai foi morar para outro sítio e eu nunca mais o vi, tento portar-me bem, para que ele fique contente.
Com esta, não contava eu. Que lhe digo? Pergunto-lhe para onde foi? Se está a trabalhar longe?
Por perceber que eu não iria perguntar, continuou:
- Foi há um ano. Eu estava à espera dele à saída da escola. Era sempre ele que me vinha buscar e naquele dia já estava a demorar. Acabou por vir a minha avó. Perguntei-lhe pelo meu pai e ela começou a chorar. Os adultos pensam que nós não percebemos. Mas sabes-me dizer por que razão vocês pensam que nós não percebemos? Quando eu era pequeno (que delícia de expressão numa criança) não percebia muitas coisas mas depois cresci e já entendo muito.
Com tudo isto fiquei sem palavras. Triste pelo David, que perda irreparável. Confuso com tal grandeza de pensamento do miúdo.
- O meu pai morreu num acidente quando me vinha buscar – concluiu.
Não sabia mesmo o que dizer.
- Agora sei que ele está lá no céu a olhar por mim e quer que eu me porte bem. Sabes, desde que ele morreu brinco mais tempo. Como faço tudo bem, posso vir para aqui brincar.
Não sei de onde veio este anjo, mas hoje eu estava a precisar de um amigo crescido como o David para conversar.
- E tu, porque estavas a chorar?
- Também tive um amigo que foi morar para longe. E como sei que ele já não volta, estou triste. Gostava de ter estado com ele para lhe dizer muita coisa.
O David deu-me a melhor lição que eu podia ouvir hoje.
- Não fiques triste. No dia em que o meu pai foi embora eu tinha tirado um Excelente na ficha de matemática e queria ter-lhe dito isso. Como ele não apareceu também fiquei triste. Agora tenho de tirar muitos Excelentes para, quando eu for ter com ele, levar todos comigo. Mas eu desconfio que ele sabe que eu tenho boas notas: “Mesmo quando morrem, as pessoas continuam vivas…”
Obrigado David!
Dia de semana, pouca gente em lazer. Esqueço o mundo e aproximo-me mais da maré. Passeio com as minhas tristezas e alegrias. O que fiz, o que quero fazer, sem planos longos, só vontades.
Olhos para trás com orgulho do que consegui. Sem lamechices baratas, também penso em quem perdi. O que ainda tinha por dizer, o que ainda tinha para fazer…
De bom, lembro as recordações que me deixaram.
Vejo, ao fundo, um barco na linha do horizonte. É tão pequeno que não lhe conheço a forma. Sei que vai seguindo o seu rumo e não mais o voltarei a ver, tal como quem me levaram.
Decido tomar um café numa esplanada de um daqueles bares assentes no areal e que todas as cidades à beira mar plantadas têm. Estou só e triste mas quero este momento só para as minhas recordações.
Peço um café que rapidamente tomei.
Enquanto me perco no horizonte, aproxima-se de mim uma criança. Chega-se a mim, olha-me de frente e fica ali sem nada dizer.
Acho estranho. Ainda olhei em volta mas não vi ninguém. O que faz este menino tão pequeno sozinho aqui? – pensei.
- Olá – disse-me – tás triste? Porque tás a chorar?
Ainda tentei uma daquelas mentiras de ocasião: “É por causa do sol”
- Não é nada! Parece que tás triste…
- E tu, que fazes aqui sozinho?
- Vim passear. Moro ali naquele prédio e a minha avó deixou-me vir para a praia, mas não posso sair daqui. Mas queres-me contar o que tens?
O que pode uma criança entender sobre a perda de alguém tão chegado? Como se fala destas coisas com uma criança?
- Como te chamas? Que idade tens? – perguntei eu.
- Sou o David e tenho 7 anos. Estou na segunda classe. Hoje já fiz os TPC e posso brincar mais cedo. Sempre que me porto bem, posso brincar mais e o meu pai fica contente comigo.
Perante tal desenvoltura no discurso, achei o miúdo engraçado. Cara de traquina mas bastante esperto, pareceu-me.
- Então tens de te portar bem sempre!!!
- Eu sei. Agora tenho isso mais em conta. Desde que o meu pai foi morar para outro sítio e eu nunca mais o vi, tento portar-me bem, para que ele fique contente.
Com esta, não contava eu. Que lhe digo? Pergunto-lhe para onde foi? Se está a trabalhar longe?
Por perceber que eu não iria perguntar, continuou:
- Foi há um ano. Eu estava à espera dele à saída da escola. Era sempre ele que me vinha buscar e naquele dia já estava a demorar. Acabou por vir a minha avó. Perguntei-lhe pelo meu pai e ela começou a chorar. Os adultos pensam que nós não percebemos. Mas sabes-me dizer por que razão vocês pensam que nós não percebemos? Quando eu era pequeno (que delícia de expressão numa criança) não percebia muitas coisas mas depois cresci e já entendo muito.
Com tudo isto fiquei sem palavras. Triste pelo David, que perda irreparável. Confuso com tal grandeza de pensamento do miúdo.
- O meu pai morreu num acidente quando me vinha buscar – concluiu.
Não sabia mesmo o que dizer.
- Agora sei que ele está lá no céu a olhar por mim e quer que eu me porte bem. Sabes, desde que ele morreu brinco mais tempo. Como faço tudo bem, posso vir para aqui brincar.
Não sei de onde veio este anjo, mas hoje eu estava a precisar de um amigo crescido como o David para conversar.
- E tu, porque estavas a chorar?
- Também tive um amigo que foi morar para longe. E como sei que ele já não volta, estou triste. Gostava de ter estado com ele para lhe dizer muita coisa.
O David deu-me a melhor lição que eu podia ouvir hoje.
- Não fiques triste. No dia em que o meu pai foi embora eu tinha tirado um Excelente na ficha de matemática e queria ter-lhe dito isso. Como ele não apareceu também fiquei triste. Agora tenho de tirar muitos Excelentes para, quando eu for ter com ele, levar todos comigo. Mas eu desconfio que ele sabe que eu tenho boas notas: “Mesmo quando morrem, as pessoas continuam vivas…”
Obrigado David!
