Uma casa no meio de um deserto, uma linha de caminho-de-ferro que atravessa a propriedade…
Todos os dias, à mesma hora, ela espera que o comboio passe e pare mesmo defronte da casa e deixe ficar quem ela espera há mais de dez anos…
Ela ainda acredita que será possível que ele regresse. Partiu há uns anos para defender o seu país. Nos primeiros anos, deu notícias e foi enviando as cartas do costume: saudades, a guerra que custa a passar mais a esperança de voltar são e salvo para os braços dela. Vai pedir a mão dela em casamento. O pai anseia também por esse momento para que a sua filha tenha uma vida melhor.
Também o pai desvia o olhar à mesma hora para que a locomotiva traga consigo um vagão de esperança, pelo menos de esperança.
Mais um dia que passa e a única coisa que vai com o comboio é uma aragem mais corrida que se faz notar no calor intenso que o sol impele ao assentar na terra árida.
Os dias passam no mesmo marasmo, nem um viajante perdido no meio daquele nada, nem um cowboy, nem um ar de boas novas…
Até que um dia, o comboio vem diferente… ela espera que seja hoje que traga novas da guerra. Ainda o espera. Ela prometeu paciência e reserva no lugar a seu lado e, até hoje, nunca esboçou um pensamento de busca de uma nova realidade, de uma nova vida, de um novo alento…
Aproximou-se dos carris, desta vez iria sentir o comboio bem de perto, iria sentir o vento que acompanha os vagões mais perto do que nos primeiros anos de espera.
Passa o comboio à mesma velocidade e ela já começa a pressentir o mesmo vazio deste único movimento por estas paragens ao longo destes anos…
Novas!!! A brisa que vem à boleia do comboio faz esvoaçar uma foto rasgada… era ele. Dentro de uma farda do exército, aprumado como no dia em que partiu. Ar mais abatido. A guerra e o passar dos Invernos aplicaram-se na erosão desta face.
Ela passa os dedos, já marcados pelos anos que passaram, pelas rusgas de uma foto recente com uma imagem gasta pela guerra… Fotografia rasgada, fotografia cortada, como se rasgou, quem a cortou? Era uma imagem de corpo inteiro que fora rasgada a meio. Mostrava-o como soldado… honrado pela defesa da pátria.
Durante dias ela procurou o resto da fotografia. O comboio poderia trazer mais… Mais novas, mais fotografias, o resto desta, o seu soldado aprumado, cansado, neste momento ela queria-o, o estado em que viesse seria sempre melhorado com a sua presença mas ela queria-o perto de si.
Andou infindáveis distâncias junto de um trilho todo igual que não deixou repousar o resto da fotografia…
Num dia, igual a tantos outros, cheios de nada, ela descobriu que o resto da fotografia não mais existia… A guerra tinha-a levado… O seu soldado não mais regressará…
Inspirado num texto de Tonino Guerra.