31 agosto 2007

25 de Agosto 2007

Para além do “reino maravilhoso” de Miguel Torga, escrevo umas linhas pouco literárias para lembrar Eduardo Prado Coelho. Cronista, crítico, homem de letras e da cultura em geral. Passou hoje para a morada dos que, como ele, passam a ser imortais.
Estou no Norte, num paraíso em repouso…
Longe do stress da cidade, numa terra onde o movimento que existe é o do padeiro que chega e o do homem do peixe que faz soar a buzina de uma carrinha com mais de vinte anos assim que se aproxima da Vila para se fazer anunciar…
Mais movimento, o dos carros de bombeiros em horas de aflição que por estes dias são o pão-nosso de cada dia. Quem quererá mal a esta gente? Quem quer destruir tal paraíso?
Perdoem-me os alentejanos, mas este verde montanhês é sublime comparado ao dourado das planícies do Alentejo.
Estou numa terra tão longe da metrópole que a melhor tecnologia é a telefonia em que se faz ouvir um anúncio publicitário da zona – enchidos da terra.
O progresso veio com a estrada que atravessa a Vila e que não tem mais de 1km.
“A terra desenvolveu, isto não era nada há 10 anos” – diz o Sr. Francisco que descansa num banco de jardim depois de anos a fio a “amealhar” a vida em França.
Por esta altura vê os filhos e os netos que vêm todos os anos de uma cidade parte de Nice. “Estão a fazer vida” – completa.
Estou sobre este caderno a rabiscar umas palavras na pacatez de Vila Flor…

24 agosto 2007

Ando em busca das palavras

Aprendi mais do que sei
Sei coisas que desconheço
Ando em busca das palavras
Que são lidas do avesso

Faz-me falta
O que já tenho
Dos sonhos que construí
Só as minhas mãos tão cheias
Desmentem o que não fiz

Apenas faço um aceno
Um sinal
Dia após dia
Sentado à beira do mundo
Para dizer que estou aqui
Quem me achar que me acompanhe
Ao lugar de onde parti

A minha vida não para
E corre no meu caminho
Esta teima do destino
Em dar-me o que sempre quis

Faço mais do que digo
Digo mais do que penso
Tenho tudo e nada tenho
Que a tudo e todos pertenço

Olho os homens
Olho o mundo;
Vejo uma estrela cadente.

Letra de música de Luís Represas

20 agosto 2007

A espera

Uma casa no meio de um deserto, uma linha de caminho-de-ferro que atravessa a propriedade…
Todos os dias, à mesma hora, ela espera que o comboio passe e pare mesmo defronte da casa e deixe ficar quem ela espera há mais de dez anos…
Ela ainda acredita que será possível que ele regresse. Partiu há uns anos para defender o seu país. Nos primeiros anos, deu notícias e foi enviando as cartas do costume: saudades, a guerra que custa a passar mais a esperança de voltar são e salvo para os braços dela. Vai pedir a mão dela em casamento. O pai anseia também por esse momento para que a sua filha tenha uma vida melhor.
Também o pai desvia o olhar à mesma hora para que a locomotiva traga consigo um vagão de esperança, pelo menos de esperança.
Mais um dia que passa e a única coisa que vai com o comboio é uma aragem mais corrida que se faz notar no calor intenso que o sol impele ao assentar na terra árida.
Os dias passam no mesmo marasmo, nem um viajante perdido no meio daquele nada, nem um cowboy, nem um ar de boas novas…
Até que um dia, o comboio vem diferente… ela espera que seja hoje que traga novas da guerra. Ainda o espera. Ela prometeu paciência e reserva no lugar a seu lado e, até hoje, nunca esboçou um pensamento de busca de uma nova realidade, de uma nova vida, de um novo alento…
Aproximou-se dos carris, desta vez iria sentir o comboio bem de perto, iria sentir o vento que acompanha os vagões mais perto do que nos primeiros anos de espera.
Passa o comboio à mesma velocidade e ela já começa a pressentir o mesmo vazio deste único movimento por estas paragens ao longo destes anos…
Novas!!! A brisa que vem à boleia do comboio faz esvoaçar uma foto rasgada… era ele. Dentro de uma farda do exército, aprumado como no dia em que partiu. Ar mais abatido. A guerra e o passar dos Invernos aplicaram-se na erosão desta face.
Ela passa os dedos, já marcados pelos anos que passaram, pelas rusgas de uma foto recente com uma imagem gasta pela guerra… Fotografia rasgada, fotografia cortada, como se rasgou, quem a cortou? Era uma imagem de corpo inteiro que fora rasgada a meio. Mostrava-o como soldado… honrado pela defesa da pátria.
Durante dias ela procurou o resto da fotografia. O comboio poderia trazer mais… Mais novas, mais fotografias, o resto desta, o seu soldado aprumado, cansado, neste momento ela queria-o, o estado em que viesse seria sempre melhorado com a sua presença mas ela queria-o perto de si.
Andou infindáveis distâncias junto de um trilho todo igual que não deixou repousar o resto da fotografia…
Num dia, igual a tantos outros, cheios de nada, ela descobriu que o resto da fotografia não mais existia… A guerra tinha-a levado… O seu soldado não mais regressará…

Inspirado num texto de Tonino Guerra.

19 agosto 2007

Faz-me falta

Faz-me falta o teu cheiro no fim do banho, faz-me falta o teu olhar quando acordo pela manhã. Tenho saudades dos tempos em que acordamos na mesma cama, em que saímos do mesmo quarto e que tomávamos café na mesma varanda. Fugiste desta vida.
De que te cansaste tu? De mim? Da forma como te vejo?
Não sou fácil para viver em conjunto. Tenho uma maneira de ser. Nem melhor, nem pior do que os outros, é a minha forma de estar.
Sou preso às minhas coisas, aos meus tempos e espaços. Quero ter vontade própria e quero poder estar onde normalmente não estou.
Se calhar estás cansada daquilo que já vivemos ou tens receio daquilo que eu quero viver. Momentos bons, partilhados com alguma alegria...
Mesmo que me tenha custado por algumas vezes, fiz de tudo para te agradar. Tu não me entendes. Acho eu. Ou se calhar sou eu que não te entendo.
Porque não entendes quando quero ficar ali sentado, só a contemplar aquele momento de serenidade.
Para tudo temos de ter um relógio. Não gosto da finalidade dos relógios.
Estamos de férias e temos de chegar até àquela hora ao hotel. Temos hora para jantar senão, não nos servem. Temos de nos levantar porque já é hora. Vamos sair porque até já é tarde e daqui a pouco é noite. Vamos mais cedo porque temos de ir aqui e ali. Se calhar é isto que nos torna diferentes. Gostas de gozar o tempo em função das coisas que queres viver. Eu gosto de viver as coisas mas nunca em função do tempo.
Chateias-te porque me levanto calmamente e porque não gosto de saber que são horas de me despachar. Chateias-te porque não me levanto da mesa assim que acabo de digerir o último pedaço de sobremesa. Chateias-te porque digo que não me compreendes.
Gosto de viver a vida sem pensar na correria dos dias dos outros e dos tempos que o relógio nos quer impor.
Tu gostas que as coisas corram em função do teu tempo. Se calhar estou a ser um pouco injusto e não estou a aceitar tão bem a tua forma de ser.
Se sou eu que não te entendo, explica-me como queres viver, se sou eu quem não vê as coisas na tua (certa) perspectiva, mostra-me como faço, se sou eu quem não te deixa viver em função do teu tempo, acerta a minha forma de estar. Mas peço-te que o faças sem me tentar mudar.
Já quase me roubaram esta minha forma de ser, não a mudes, diz-me como conseguimos viver os dois dentro das mesmas horas de um dia igual para ambos.
Agora que não te tenho, digo que sinto a falta do teu querer…
Fazes-me falta…

14 agosto 2007

Luto no mar...

Maré-alta mas tudo navega. As redes já haviam sido lançadas e espera-se a melhor hora para as alar. Muito peixe estava já entre o cerco.
O Mestre comanda a companha.
De quando em vez… um brado… as vagas do mar cada vez maiores e era necessário um grito para comandar os homens…
O Mestre era como o mar… às vezes calmo, outras picado…
Ondas se levantam quando revoltado está…
Maré-cheia – sempre… Mesmo calmo, era uma vida…
O Mestre tem nome de livro aberto, páginas vincadas como a personalidade de um homem de mar e de letras…
Muitas vagas passam sobre a pequenez da sua figura mas nenhuma consegue sobrepor-se a tamanha grandeza de voz…
Premissa sempre válida até à hora fatal… no início da noite de 14 de Agosto de 2006, uma enorme onda rouba, aos homens da lancha, o seu Mestre…
Letras desconjugadas, lançadas ao mar… um grito que se ouve ao fundo, no horizonte, no final de uma linha (vida) … Vela que cai sem um mastro firme que a segure…
Ficará para sempre gravado, na vela desta lancha, o nome de quem a levou além-mar num romance sem fim.
Novo rumo para esta lancha… que Norte terá…

à memória de ml…

07 agosto 2007

Na biblioteca

No meio de livros e estantes...
Estou pensativamente a passar os olhos pela página de um livro do qual não sei o título e que peguei ao acaso.
Cada vez que levanto a cabeça, vejo-te a entrar num pensamento mais profundo. Estás diante de papéis que te alheiam de todo o resto.
Não sei o que fazer para te chamar a atenção e te fazer olhar para mim. Estás mesmo concentrada. Não quero provocar-te uma má reacção pois posso interromper um importante raciocínio de uma qualquer operação matemática, ou de uma frase que precisas acabar para completar o texto sobre um filósofo qualquer.
Estamos num mundo do conhecimento e, cada vez mais, desconhecido. Cada vez que aprendemos algo, ficamos a saber que sabemos ainda menos de um universosem fim.
Em que galáxia de inteligência vivemos nós?
Em que vaivém posso eu entrar para ir de encontro ao teu pensamento... Paras um pouco, levantas o olhar e ficas a contemplar o infinito por entre os estores semitransparentes desta casa de livros.
Para que olhas? O que procuras saber? O que queres alcançar?
Não sei o que leio neste livro sem história, mas estou a gostar protagonista que ocupa a minha lógica de juízos.
Quem andará a passear nesse olhar distante…
Kafka? – e quererás transformar-me em algo invisível?
Pitágoras? – e será uma questão de cálculo?
Nietsche? – e estarei no meio de uma teoria sem fundamento?
Eiffel? – e estarás a conceber uma obra de engenharia para levantar algo?
Gostava de saber… mas se eu descobrir, talvez perceba que sei cada vez menos, ou talvez fique a saber que o melhor terá sido não saber mais do que devia.
Prendeste-me a lógica, prendeste-me o pensamento, prendeste-me o olhar…
Mas se a casa dos livros é a porta de acesso ao conhecimento, acaba por ser também o meio para atingir o que está mais além, faz-nos ultrapassar barreiras, faz-nos ser livres à nossa maneira dentro do que queremos atingir…
Mas também podemos ter limites só porque estamos dentro desta casa que nos atribui certas capacidades ou limitações. Esta casa permite-me ver-te com frequência, mas também me aperta o “raio de acção”…
Entretanto, no meio deste pensamento, olhas-me fixamente mas parece que não me vês. Será que estás a olhar-me com um daqueles pensamentos bem longe daquilo que te passa pela retina?
Não!
Quero acreditar que desta vez me viste.
De repente… arrumas os papéis, é hora de sair.
Amanhã cá estarei. Procurarei o mesmo lugar, um local de onde te posso ver, ainda que discretamente, sem saber se me vês, ou se me queres ver… mas sabendo que também cá estarás…

06 agosto 2007

Reencontro

Daniel está sentado no banco da estação.
Espera Adriana que chega de viagem. Estão todo o ano juntos mas Daniel mantém um amor platónico que não pode revelar. Adriana sente que, apesar da dedicação de amizade que Daniel nutre por ela, também terá algo mais no olhar que cruza com ela.
Daniel está impaciente. Ele sabe que o comboio só chegará às 10h00 mas chegou às nove em ponto à estação. Não é seu hábito chegar muito cedo, mas hoje é especial.
Levantou-se cedo, aliás quase nem dormiu com a vontade que as horas passassem o mais rapidamente possível. Não vê Adriana há semanas e está ansioso. Pelo meio, trocaram algumas chamadas mas a proximidade do olhar ainda não é permitida via telemóvel.
Apesar da ausência de Adriana, Daniel manteve-a sempre presente. Quase a todo o instante pensava na hora de reencontrá-la.
Quando Daniel se cruzava com um carro igual ao dela, confirmava se a matrícula (que ele conhece de cor) era a mesma…
Quando o telemóvel tocava, esperava que fosse Adriana. Nem que fosse a dizer um simples “Olá”… ou a dizer… “Desculpa, não sei se me estás a ouvir mas eu não consigo ouvir-te…”
Será que não o ouve mesmo?
Ainda faltam dez minutos, chega um comboio. Daniel fixa o olhar para saber de onde vem este. A voz radiofónica da estação já disse duas vezes:
“Senhores passageiros, o comboio que vai dar entrada na linha dois, teve como partida Terra de Luz”
Apesar disto, Daniel está em fervorosa para ver Adriana.
Conseguirei esperar mais dez minutos? – pensa Daniel – Já que esperei estas semanas, mais dez minutos não serão demais.
Daniel sabe bem que Adriana não é sua exclusividade, aliás nem sua é. Daniel sente-se muito ligado a Adriana. Admira-a, segue o seu exemplo, quer ser sempre amigo dela, quer que o carinho que nutre por ela esteja como o ar que respira – sempre presente.
Pum pum… pum pum… Cantam os carris como se de batidas do coração se tratassem. Ao invés da velocidade das batidas nos carris que vai abrandando, as pulsações de Daniel aceleram à medida que vai percebendo que este comboio traz Adriana.
Daniel só quer um sorriso, como só Adriana tem para lhe dar…
Parou o comboio, saem os passageiros… Adriana não demora a descer os degraus que a trazem de volta à Terra das Letras.
Daniel alegre – todo ele sorri. Chegou Adriana como tanto esperava.
O reencontro dos olhares profundos, fiéis, amigos… cheios de… sentimentos de Daniel.

03 agosto 2007

Chão quente...

Terra que pisas, caminho que quero seguir… em busca das tuas pegadas, sigo cada aroma que deixas para trás. Areia que evapora ondas de calor. Segues a até a língua da maré… procuras a frescura das ondas do mar…
Eu estou de longe a ver-te, a querer ser onda para te poder abraçar, a querer morar na tua pele, nem que seja por breves instantes...
O calor e o sol estão para nós como toda a conjuntura que nos tem separado.
Queria ser praia para, em mim, te despojares de inibições… Por vezes, fico com a sensação que sou eu que guardo conservadoramente a inibição para que continues a banhar-te no meu mar.
Queria que fosse sempre Verão, queria ter sempre a oportunidade de te ter em mim…
Calor, descontracção, frescura, calma… o que procuras quando vens até mim?…
Por onde andas quando só sinto o teu cheiro?
Onde te encontro quando só ouço a tua voz?
Como posso dar-te mais de mim?
Será que me sentes quando lanço a maresia no ar? Onde buscas a frescura quando não temos contacto?
Quero dar-te a cor que buscamos no Verão…
Vem pisar o meu chão.